Comentando a NOTA TÉCNICA Nº 11/2019-CGMAD/DAPES/SAS/MS

 

Escrito por

Raimundo Alonso Batista de Aquino

 

Muito se fala da atual realidade da saúde pública brasileira e dos problemas da qualidade no atendimento do SUS. É de conhecimentos de todos que o SUS tem sido penalizado pela limitação orçamentaria, fechamento de leitos, falta de insumos e pela ausência de uma política séria de recursos humanos. Mas se somos conhecedores desta realidade, porque a saúde pública continua mal? A quem responsabilizar por todos estes problemas do SUS e pela ausência de soluções eficazes? Obviamente que a tarefa, que cabe a gestores de todas as esferas: Federal, estadual e municipal, não é nada fácil! Entretanto parece evidente e necessário o enfrentamento eficaz por parte destes gestores, o financiamento devido da saúde e o envolvimento dos profissionais de saúde, especialmente do médico. Médico que não compreendeu que foi sua acomodação histórica que fez com que ele tivesse pouca percepção das mudanças pelas quais o sistema de saúde passou e passa continuamente. 

 

Esta Nota Técnica se propõe a prestar esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. Não se trata, portanto, de criar um novo instrumento, mas de dar consistência à construção de uma nova rede de assistência criada a partir da Resolução CIT Nº. 32/2017 e Portaria Nº. 3.588/2017. Rede esta que se propõe a dar uma assistência segura, eficaz e humanizada às pessoas com transtornos mentais.

Dentro das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), propõe-se a implantação de uma rede de serviços aos usuários que seja plural, com diferentes graus de complexidade e que promovam assistência integral para diferentes demandas, desde as mais simples às mais complexas/graves. As abordagens e condutas devem ser baseadas em evidências científicas, atualizadas constantemente. Esta política busca promover uma maior integração e participação social do indivíduo que apresenta transtorno mental.

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) passa a ser formada pelos seguintes pontos de atenção: CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), em suas diferentes modalidades: Serviço Residencial Terapêutico (SRT), Unidade de Acolhimento (adulto e infanto-juvenil), Enfermarias Especializadas em Hospital Geral, Hospital Psiquiátrico e Hospital-Dia, Atenção Básica, Urgência e Emergência, Comunidades Terapêuticas, Ambulatório Multiprofissional de Saúde Mental e Unidades Ambulatoriais Especializadas. Todos estes serviços passam a ser igualmente incentivados, ampliados e fortalecidos, não se fala mais em fechamento de serviços ou substituição por outros. Tendo definições técnicas para cada um, recursos humanos e financeiros e estrutura física.

É bom lembrar que todas as medidas atendem a anseios de movimentos sociais, aos desafios enfrentados diariamente por profissionais da RAPS e às necessidades apontadas em um diagnóstico inédito feito pelo Ministério da Saúde. Foram identificados incentivos financeiros que não foram utilizados para criação de novos serviços, subnotificação de atendimentos, baixa ocupação de leitos em hospitais gerais (menos de 15%), irregularidades na avaliação de hospitais psiquiátricos especializados pelo PNASH, denúncias de violação de direitos em SRTs, pacientes que já faleceram recebendo benefícios, obras financiadas e não executadas, serviços inexistentes recebendo financiamento, inconformidades na prestação de contas em convênios realizados com o Ministério da Saúde, ausência de equipe mínima em um quinto dos CAPS, bem como baixas taxas de matriciamento e atendimento à crise realizada nesses serviços. O que mostra de forma clara a necessidade de novos rumos para a saúde mental.

É importante frisar que as mudanças propostas nas politicas foram realizadas em obediência à Lei 10.206/2001, que redirecionou o modelo da assistência psiquiátrica no Brasil e estabeleceu direitos dos portadores de transtornos mentais. Vale lembrar aqui que é direito do paciente ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades. A inclusão de leitos psiquiátricos em hospitais gerais e em hospitais especializados é uma necessidade atual. O Brasil conta hoje com uma cobertura deficitária nesta modalidade assistencial. Somando leitos em hospitais psiquiátricos e aqueles em hospitais gerais, há cerca de 0,1 leitos por 1.000 habitantes, quando o preconizado pelo próprio Ministério da Saúde seria de 0,45 por 1.000 habitantes. Em contrapartida, houve migração considerável de doentes mentais graves para a população prisional, sendo as cadeias o maior manicômio do Brasil na atualidade. São estimados mais de 50.000 doentes mentais graves no cárcere.

A eletroconvulsoterapia agora conta com aparelho na lista do Sistema de Informação e Gerenciamento de Equipamentos e Materiais (SIGEM) do Fundo Nacional de Saúde. Desse modo, o Ministério da Saúde passa a financiar a compra desse tipo de equipamento para o tratamento de pacientes que apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários a outras abordagens terapêuticas. Tal decisão é positiva uma vez que a eletroconvulsoterapia saiu dos hospitais psiquiátricos e foi para os hospitais gerais onde os pacientes são atendidos em locais seguros, com a presença do anestesista e hoje inacessível ao paciente do SUS pelo seu alto custo.

Não vejo nenhum retrocesso na ampliação da RAPS uma vez que como preceitua a Lei 10.206/2001, devemos ter uma rede abrangente que envolva todos os recursos disponíveis para melhor atender os nossos pacientes.

 

 

Colunista

Raimundo Alonso Batista de Aquino
Psiquiatra Diretor do Sindicato dos Médicos e do Núcleo de Psiquiatria do Estado do Ceará.

 

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